quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Beijo sabor Keep Cooler de morango - uma aventura adolescente

Todas as mulheres deveriam ter quatorze anos. A famosa frase de Nélson Rodrigues não saía da cabeça de Tadeu, enquanto ele perambulava pela festa de formatura da oitava série. Obviamente, Tadeu, 21 anos, não era um formando. Era convidado. E só estava lá por causa de sua irmã, Raquel – esta sim, uma das donas da festa. Foi porque ela pediu, insistiu, implorou. E ele, que viera sem muita vontade, agora olhava para as coleguinhas de Raquel e tinha idéias contraditórias.

Foi até o banheiro, lavou o rosto, se olhou no espelho e pensou: sou um pedófilo. Continuou a encarar o espelho até se convencer de que o desejo era natural, que a idéia de pedofilia era uma bobagem. Tentava colocar na cabeça que aquelas garotas já deviam ter aposentado as bonecas há algum tempo. Mesmo assim, não se convencia totalmente. Na verdade, já sabia que o melhor a se fazer era encher a cara e abstrair aquelas idéias. Mas havia obstáculos. Primeiro, era uma festa importante para a irmã e ele não queria dar vexame. E o principal: a única bebida alcoólica à venda no bar do clube era Keep Cooler. Tadeu não bebia Keep Cooler. Não só porque achava muito ruim, mas também porque trazia más lembranças.

“Encare a vida e saia desse banheiro, rapaz”. Assim, Tadeu se encorajava e pensava no que fazer. Uma das colegas de Raquel olhava pra ele desde que a festa começou. Será que a irmã a apresentaria? E se apresentasse, o que deveria fazer? Não agüentava mais tantas perguntas e tão poucas respostas. Deixou o banheiro, cruzou o salão em que aquele bando de pirralhos dançava uma música do Jota Quest e encontrou a irmã. Conversando com a tal menina.

– Nossa Tadeu, você sumiu!
– Eu tava no banheiro, não me sentia muito bem.
– Pensei que tivesse ido embora. Olha, essa é a Suellen. Minha melhor amiga.

Não existe cargo mais rotativo que o de melhor amiga da Raquel. Toda semana ela falava de alguém diferente, mas era sempre a melhor amiga. Esta, Suellen, ele não conhecia. A não ser pela meia-dúzia de olhares no início da festa.

– Prazer, Suellen, eu sou o Tadeu.
– Eu sei. A Raquel tava falando de ti.
– Algo de útil ela tinha que fazer, né?

Se sentiu um cretino. Por que disse isso? Três anos estudando Jornalismo e ainda não sabia usar as palavras direito. Principalmente com as mulheres, independente da idade. Ela continuou a conversa.

– Tá gostando da festa da pirralhada?
– Ei, eu não disse isso...
– Sua irmã falou que você não queria vir porque era uma festa de pirralhos.
– Mas que bela irmã eu tenho – diz Tadeu, olhando para Raquel com cara de reprovação.

Ela ri, sem graça, e diz que vai buscar uma Coca-cola. Deixa os dois sozinhos.

– E o que mais a minha irmã te disse sobre mim?
– Umas coisas...
– Se faltarem mais informações, pode perguntar diretamente a mim.
– Você fala engraçado...

Precisava baixar o nível da linguagem. Adequar-se ao público-alvo. Isso aprendeu na universidade.

– Me fala de ti. Quantos anos você tem?
– Quatorze.

Se lembrou de Nélson Rodrigues outra vez. O maldito acertou na mosca.

– Todas as mulheres deveriam ter quatorze anos...
– O quê?
– Nada, nada. Estava pensando alto. O que é isso que você tá bebendo?
– Keep Cooler, de morango. Quer?
– Eu... quero. Quero sim.

Ela estendeu a garrafa, ele pegou e bebeu. Na última vez que bebera aquilo fizera uma besteira. Desde então nunca mais bebeu Keep Cooler, como se a bebida tivesse sido a culpada pelo que fizera. Já tinha esquecido o gosto, mas no primeiro gole lembrou que não era tão ruim assim. Só tinha medo de fazer besteira mais uma vez. Onde estaria Raquel? Olhou pros lados. Viu a irmã no meio de uma rodinha de formandos. “Sacana, me deixou sozinho de propósito”, ele pensou. Devolveu a garrafa para Suellen. Ela era realmente uma graça. Cabelos escuros e compridos, olhos escuros e fixos nos olhos dele. Um rosto meigo – o principal atributo que ele achava que uma mulher deveria ter. Ela bebe mais um gole e pergunta:

– Vamos pro meio da pista?

Tadeu ia dizer que sim, mas a palavra ficou presa. Estava tocando uma música do Capital Inicial e ele olhou para aquela pista cheia. A idade média das pessoas que dançavam era de 15 anos. E essa média só ficou tão alta porque duas mocinhas gordas dançavam com os próprios pais e uma das mães estava sozinha lá no meio, relembrando os embalos de sábado a noite. Ele não podia entrar ali. Já estava envergonhado só de ver o espetáculo, imagine se participasse dele. Ia recusar, mas quando percebeu já estava sendo conduzido para a pista pela delicada mãozinha de Suellen. Olhou mais uma vez para a irmã. Ela ria.

Dançava sem jeito. Demorou umas duas músicas para ficar à vontade. Continuaram conversando, só que agora, para se ouvirem, tinham que falar ao ouvido. Suellen era só um pouco mais baixa que ele. Se curvava para frente, ficava na ponta dos pés e o alcançava. Depois ele respondia no ouvido dela. Falavam um do outro, se conheciam melhor. O perfume da moça deixou Tadeu excitado e envergonhado. Achava que não tinha o direito de se excitar por causa do perfume de uma moça de 14 anos. E justo ele, que nunca gostou desses perfumes doces de adolescente. Mas o fato é que estavam cada vez mais próximos e havia um clima. De repente, Raquel se junta a eles trazendo a tal Coca-cola que dissera ter ido buscar. Grita perto dos ouvidos de ambos:

– Demorei!?

Tadeu pensou que ela deveria ter demorado ainda mais, mas ficou quieto. Não pediu, pegou a lata da mão da irmã e deu um gole. Raquel fala alguma coisa no ouvido de Suellen e ela sai, dizendo que já volta. Em seguida, a irmã diz a Tadeu que precisa lhe dizer algo.

– Fala!
– Aqui tem muito barulho!

Eles saem da pista. Tadeu olha para os lados, procura Suellen, não encontra. Ele e Raquel sentam.

– O que você queria?
– Tá todo mundo percebendo o clima entre você e a Suellen.
– Que bobagem! É uma menina.
– Tadeu, não vem com essa pra cima de mim. Eu vi como vocês estavam se olhando ali na pista. E foi ela que me implorou pra que eu apresentasse vocês.
– Então qual é o problema?
– Os pais dela não vão achar muito bonito ver um barbado se esfregando na garotinha deles. Podia ser um pouquinho mais discreto, né? Não quero confusão na minha formatura.

Ele ficou envergonhado de novo. Percebeu mais uma vez o ridículo da situação. De repente, ficou com raiva. Raiva da irmã que insistiu para que viesse à festa, da garotinha de 14 anos que se insinuava, dele mesmo que não conseguia se segurar e daquele maldito Keep Cooler que estava prestes a fazer com que ele cometesse outra besteira. Então Suellen veio até a mesa deles e se sentou. Estava com uma cara emburrada, mas ao sentar abriu um quase-sorriso. Tadeu pergunta:

– Algum problema, Suellen?
– É. Meus pais já querem ir embora. Que saco!
– Culpa minha?
– É. Tua e minha também, né?
– Desculpa então...
– Desculpo.

Se sentiu um pato. Pediu desculpas brincando e ela respondeu sério. Ele não tinha feito nada, não tinha que se desculpar por nada. Não tinha culpa se a menina era uma pirralha e se insinuava para um cara mais velho. “Sacana”, foi o que pensou. Com uma palavra, ela invertera os papéis. De repente se tornava a menininha pura e ele passava a ser o aliciador de menores.

– Então você tá indo embora?
– Quase. Implorei pra eles ficarem mais meia-hora.
– Foi bom te conhecer.
– Eu também gostei, Tadeu. Pena que esses xaropes dos meus pais tão aí...
– Faria alguma diferença se eles não estivessem?

Suellen fez uma careta. Na verdade, era a tentativa de fazer um olhar atrevido. Mas nem Tadeu, nem Raquel entenderam. Pelo menos até ela pegar a mão de Tadeu e dizer “vem comigo”. Puxado por Suellen, Tadeu se deixou conduzir, imaginando que ela o levava de volta à pista de dança. Mas o caminho era diferente. Iam para o jardim, onde a meninada aproveitava a menor iluminação para atos um pouco mais ousados que dançar – só um pouco mais ousados, por sinal. Pararam em um canto. Tadeu sentia que era um momento de decisão, mas não sabia como agir. Quem tomou a decisão foi ela

– Tadeu, me beija?

Ele não esboçou reação. Era como se não tivesse entendido a pergunta. Suellen insistiu.

– Tadeu, me beija antes que meus pais sintam minha falta.
– Calma moça, isso não é uma novela...

Então ela se jogou para frente e ficou na ponta dos pés, num movimento muito semelhante ao que fazia quando falava ao ouvido de Tadeu. Só que dessa vez ela foi aos lábios dele e o beijou. Ao sentir o toque dos lábios e da pele macia – macia como só é a pele de uma garota de 14 anos – ele jogou pro alto os escrúpulos. Tomou a moça nos braços e se entregou àquele beijo pouco experiente. Segurava a moça com todo cuidado, como se fosse frágil, como se ela pudesse quebrar caso ele fizesse um movimento um pouco mais brusco. Até que ela se solta, olha para ele com uma cara contente, lambe os lábios e diz:

– Tenho que ir, meus pais já devem estar me procurando.
– Fica mais um pouco.
– Não posso.
– Me dá teu telefone, vamos nos ver outra vez.
– Tua irmã tem.

Outro beijo. Seco, rápido, de despedida. Suellen sai correndo de volta para o salão. Tadeu fica no jardim, colocando as idéias em ordem. Já pensa em ligar para ela. Quer convidá-la para ir ao cinema ou fazer qualquer coisa durante a semana. Precisa vê-la de novo, apesar das mil dúvidas que tem. Ele não podia namorar um menina de 14 anos. Andar por aí de mãos dadas, levar nas festas, apresentar aos amigos. Seria impossível. E ao mesmo tempo, há muito uma garota não mexia tanto com ele. Estava pensando naquela pele, absurdamente macia, quando apareceu a Raquel.

– Você vai ficar sozinho aí o resto da noite?
– Me deixa quieto um pouco.
– E então adulto, se divertiu na festa das crianças?
– Engraçadinha. De onde veio aquela moça, a tua melhor amiga?
– Melhor amiga? Nunca vi antes.
– Mas você falou...
– Ah, ela pediu pra eu falar e eu falei. Achei engraçado.
– Vocês me fizeram de bobo.
– Não faz drama, Tadeu.
– Ela disse que você tinha o telefone dela...
– Eu? Não... ela deve ter se enganado.

Tadeu correu em direção à festa. Procurou por Suellen em cada canto do salão. Na pista, no bar, na fila dos banheiros, na saída. Ela realmente tinha ido embora e ele não tinha nenhum contato. Então percebeu que estava fazendo um péssimo papel: o otário na festa das crianças. Não era possível, ele não conseguia entender. Achava que em algum momento ela apareceria rindo e perguntando se ele tinha sentido falta. Trocariam mais uns beijos, algumas carícias e os números de telefone. Mas ela não apareceu. Cabisbaixo, indignado e humilhado, Tadeu não tinha muitas alternativas. Foi até o bar.

– Me dá uma garrafa de Keep Cooler.

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