quarta-feira, 5 de março de 2008

Revirando o baú

Lá pelas bandas de 2003, um ano antes de me formar, resolvi escrever uma história que se passaria em uma redação de jornal. Tirando aquelas visitas protocolares de estudantes de jornalismo aos grandes veículos, eu mal conhecia o ambiente. No máximo, uma ou outra história contada pelos professores e pelo Mário, que era colega e trabalhava no O Estado. Ontem eu achei o texto perdido em um blog velho e resolvi colocar aqui.

Engraçado ver hoje, quase quatro anos depois de formado e com dois anos de experiência profissional, como o (mais) jovem Upiara enxergava uma redação de jornal. Ele não imaginava que papo de motorista é bacana, mas parecia antever que discurso de secretário de segurança é conversa pra boi dormir.

Abaixo, um registro fotográfico do rapazinho em uma das salas do curso de jornalismo e os dois capítulos de uma história incompleta.


Capítulo 1

A tarde não começara nada bem. Uma repórter da polícia estava doente ou algo assim e não fora trabalhar. Por algum motivo, o paspalho aqui foi o escolhido para substituir a colega na entrevista coletiva marcada para as três horas. Sair de casa correndo, atrasado, às 2:15, e encontrar essa bela surpresa na redação. Pois é, biblioteconomia eram só cinco por vaga, mas o esperto escolheu jornalismo. O que fazer? O entrevistado era o Secretário de Segurança Pública, que iria falar sobre a queda nos índices de violência no capital. Uma bobajada. Passei no jornal, tomei um café, peguei a pauta - se é que aquele realese podia ser chamado assim - e me mandei pro local da entrevista.

No carro, o motorista não parava de falar. Estava de olho numa estagiária e parecia querer dividir aquilo com todo mundo. O cara não se enxerga? Essas moças que estudam jornalismo estão cada vez piores. No meu tempo já existiam umas esnobes ali no meio. Agora, que entram num vestibular com mais de 50 candidatos por vaga, deus me livre. Depois chegam na redação e parecem ter nojo de tudo. Principalmente dos motoristas metidos a comedores. Fico pensando e nem percebo o tempo passar, o cara falar, a viagem terminar. O carro pára e antes que eu desça, o motorista pergunta:

- Tu não acha?

Não tenho idéia do que dizer, não sabia o que ele estava perguntando. Devia ser algo sobre a estagiária. Estava com pressa, falei qualquer coisa que o animasse.

- Vai que é tua Taffarel!
- Porra, Taffarel! Tu ta ficando velho, hein Nestor?

Entrei sorrindo no prédio da Secretária de Segurança. De onde tinha desencavado o Taffarel? Ele foi goleiro da seleção em duas ou três copas do mundo, mas isso há uns vinte anos. Que se dane, era uma boa frase. E eu não estava ficando velho. Foram só 36 anos até agora. Rindo, entrei no auditório que tinha uns oito jornalistas que ocupavam as cadeiras da primeira fila. Na mesa com um arranjo de flores, o secretário. Um evento mixuruca, pra promover um político que quer ser prefeito. Uma tarde entediante e uma matéria burocrática no jornal de amanhã. Pra puta que os pariu, eu só to cobrindo buraco. O que eles esperavam: Percival de Souza, Caco Barcelos, Valéria Noleto?

Ainda não tinha pensado em perguntas relevantes. Ia esperar as dos colegas. O secretário fez uma exposição inicial, mostrou uns gráficos, aquele blá-blá-blá todo. Começam as perguntas. Alguém questiona algo sobre o tráfico nos morros da capital. O homem fala, fala, diz pouquíssimo. Eu anoto e bocejo. Isso vai longe. Uma repórter se levanta e pede a palavra. Acho que já a vi essa mulher antes.

- Sou a Ana Paula J. , da Notícia. Senhor secretário, os critérios sofreram modificações? A oposição acusa o senhor e o governo do estado de maquiarem os índices com fins eleitoreiros...

A pergunta era boa. Ana Paula J. Não sabia que ela estava na Notícia. Essa mulher foi minha colega na universidade.

- Veja bem, senhorita Ana Paula, isto não é uma questão eleitoral. Falta um ano e meio para as eleições. Nós estamos falando na diminuição da violência na capital, na melhoria da qualidade de vida da população. A oposição é mesquinha e desonesta ao reduzir tudo isso a uma disputa de poder. Se esses dados vão trazer votos para a candidatura do nosso partido, eu não sei. A disputa pela prefeitura não está na pauta do Secretária de Segurança Pública. O crime está.

- O senhor admite que é candidato?

Ana Paula. Lembro do trote quando a gente entrou no curso de jornalismo. Acertaram um ovo na blusa dela. Ela começou a chorar, disse que ia denunciar os veteranos à reitoria. Não, não foi ela. Foi a Joana.

- Minha querida. Eu sou Secretário de Segurança Pública e Deputado estadual. Você não acha que já tenho cargos demais?

A Ana Paula fazia foto comigo. Isso. No segundo semestre. Ela se atrapalhava toda com as bandejas de revelação. Nossa, bandejas de revelação! Será que ainda existem? Não vem ao caso, não era ela que se atrapalhava com as bandejas. Era a Karina. Tenho certeza que ela fez aula comigo, não lembro do quê. Será que entrou no mesmo semestre que eu? Agora não tenho certeza. Só sei que daqui da minha cadeira dá pra ver que os 15 anos a mais não fizeram mal à menina. Ora menina, mulher! Caralho, preciso me olhar no espelho. Acabei de envelhecer 15 anos.

Capítulo 2

Parecia que a coletiva não ia terminar nunca. Agora era hora de correr de volta pra redação e escrever a grande matéria sobre aquela besteira. Mas antes dos compromissos profissionais eu precisava falar com a Ana Paula. Ando meio só, ela envelheceu bem. Quem sabe? E foi minha colega. Só tenho contato com dois ou três outros colegas de faculdade. Um trabalha comigo. Poucos ficaram na cidade. E ela não ficou, se me lembro direito. Acho que era do interior do Paraná. Não, essa era a Paula.

Ela está saindo, apressada. Posso alcançá-la. Mas será que ela lembra de mim? A gente não fazia muitas aulas junto, se é que fez alguma. Era só aquela troca de ois no corredor. Teve um dia que a gente almoçou junto e falou sobre as coisas de que gostava. Nós dois nos surpreendemos bastante. Besteira, isso aconteceu com a Denise. Coragem, Nestor. Chama a moça antes que ela saia do prédio, antes que fique tarde ou constrangedor demais.

- Ana Paula!

Ela se virou, meio assustada. Como se tivesse deixado cair algo e a estivessem alertando. Não deu sinal de ter me reconhecido.

- Sim?
- Lembra de mim? Eu sou o Nestor, a gente estudou junto...
- Nestor... caramba. Claro que lembro sim. Como vai?
- Bem e você? Não sabia que você estava na Notícia.
- Só faz duas semanas. Desisti de São Paulo e voltei pra cá
- Poxa, que bom

Não soube o que dizer. Não lembrei de nada que pudesse comentar sobre ela. Pensei em perguntar se ela tinha notícia de algum outro colega, mas não lembrei de ninguém especificamente. Fiquei com cara de estou te ouvindo até que ela deu fim a conversa.

- Poxa Nestor, superlegal te encontrar, mas eu tô muito atrasada. Tenho que escrever a matéria...
- É verdade. Eu também. Vamos manter contato. Não é sempre que encontro uma ex-colega.
- Legal, pega o meu número.

Trocamos telefones e beijos na face. Ela pegou um táxi e eu liguei pro motorista vir me buscar. Chegou em cinco minutos.

- Fala Nestor!
- Isso aí.

Não tava muito afim de conversa com o motorista. Nem lembrava mais o nome dele pra falar a verdade. Estava com a Ana Paula na cabeça. A Ana Paula de quinze anos antes. Meio sem querer e sem esperar resposta perguntei pro motorista:

- Onde você estava há quinze anos.
- Caralho, quinze anos? Tava estudando no colégio. Pegando umas meninas. Sei lá. Por quê?
- Por nada.

Estava tentando reconstruir mentalmente o que fazia quinze anos atrás. Era um estudante universitário, que tinha muitos amigos e se divertia bastante. E que deveria ter se aproximado mais da Ana Paula. As coisas ficariam mais fáceis agora.

2 comentários:

  1. Numa atualização do texto, podes trocar a Valéria pelo Maionese. Acho que o polaco merece a referência.
    =)

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  2. aiaiai...um dia qdo eu for grande eu escrevo bunitinho assim....

    hahahahha
    =D

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