quarta-feira, 11 de setembro de 2019

As canções siamesas de Lupicínio e Cazuza

Observe que o cenário é mesmo. A porta do apartamento, o reencontro do ex-casal, iniciativa e surpresa dela - que havia ido embora e voltava -, a reação negativa dele. Há um lapso temporal de uns 20 anos: década de 1960 e de 1980. Uma cena é em Porto Alegre, outra no Rio de Janeiro. Quem conta a primeira é Lupicínio Rodrigues; a segunda, Cazuza. Essa diferença última é a mais fundamental quando se observa as letras de Judiaria e Menina Mimada e seus paralelos. Lupicínio é puro rancor; Cazuza, extremo deboche. Não poderia ser diferente. Veja como tudo começa com o sambista gaúcho: Agora você vai ouvir aquilo que merece
As coisas ficam muito boas quando a gente esquece
Mas acontece que eu não esqueci a sua covardia, a sua ingratidão
A judiaria que você um dia fez pro coitadinho do meu coração Duas décadas depois, Cazuza abre assim: Foi você que quis ir embora
Agora volta arrependida e chora
Olhar pedindo esmola
Baby, eu conheço a tua história Lupicínio não consegue escapar de uma última discussão sobre a tortuosa relação. Ressentido, ameaça uma agressão: Estas palavras que eu estou lhe falando
Têm uma verdade pura, nua e crua
Eu estou lhe mostrando a porta da rua
Pra que você saia sem eu lhe bater Cazuza agride com palavras, tenta diminuir a mulher, esconde sua frustração com despeito: Você é tão fácil
Menina mimada
De enfeites
Brochinhos
E queixas, queixas, queixas
Foi você mesma quem quis Na versão de Lupicínio, ele manda a mulher embora dizendo que “agora que estou melhorando, você me aparece pra me aborrecer”. Cazuza cita um terceiro personagem, talvez inventado na hora, talvez real, um cara que “já está buzinando lá embaixo, fazendo papel de palhaço”. Assim termina a história. A mesma história, dois olhares. Falta um. Quem é a garota? Por que foi, por que voltou? O que esperava? Além do rancor de um e do deboche de outro, reações possíveis a um fim de relação não solicitado, que sentimento levou aquela mulher à porta do ex? A natureza do arrependimento - se é que há arrependimento. Bem que alguma mulher poderia escrever e cantar essa história incompleta pra mim - eu que amo e vivo tanto as histórias incompletas.





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