terça-feira, 22 de outubro de 2019

Sem limite, sem medida

Uma vida inteira com um olho no horário e outro na contagem de palavras. Uma vida que quis muito viver e que aprendi a amar nos logo que caí numa redação de jornal. Lembro do desafio do primeiro dia, acho que era 12 de janeiro de 2006, quando fui apresentado àquelas métricas que conviveram comigo nestes quase 14 anos: tempo e espaço.

Eu tinha uma tarde para coletar as informações e escrever um texto sobre uns terminais de ônibus desativados um ano antes. Aliás, continuam. O editor achou o texto suficientemente bom e escrito suficientemente rápido. Fui aprovado para cobrir férias na redação do AN Capital - o suplemento sobre a Grande Florianópolis produzido na sucursal do joinvilense A Notícia.

O meu colega deadline dificilmente mudava: 19 horas. O espaço do texto, contado em caracteres, este variava a cada matéria: uma, duas ou três por dia. Sempre havia um limite, que quase nunca me satisfazia - e raras vezes eu consegui convencer a me darem mais. Tempo e espaço são a lei nos impressos.

Muito mudou, mas a lei continuou vigente. AN Capital, Notícias do Dia, AN Capital de novo, A Notícia, Diário Catarinense. Diversos deadlines, tamanhos de texto contados em centímetros de coluna do jornal. Tempo e espaço. Atualmente, no meu caso, 19 horas, 2,4 mil caracteres: a hora limite para entregar o texto da coluna e seu tamanho. A coluna que sonhei ter assim que comecei a trabalhar com política, ainda na sucursal florianopolitana do A Notícia. A vida no jornalismo político fez 13 anos em agosto, as colunas no Diário Catarinense, AN e Santa fariam dois anos em novembro. Fariam.

Os três jornais encontraram seu deadline. Na sexta-feira entregamos os últimos e mergulhamos de vez na era digital. Durante toda minha trajetória a internet estava ali, como o futuro e como o presente. Mas quem nasceu no jornalismo com a lógica do tempo e do espaço dos impressos têm muita dificuldade de se livrar dessas algemas.

A partir de sexta, a vida muda obrigatoriamente. O espaço não terá limitações físicas, o tempo não será definido por um horário de fechamento vinculado à capacidade industrial de imprimir e distribuir jornais. Não precisarei me preocupar quando perceber que os 2,4 mil caracteres estão chegando e o texto quer ir além - ou, acontece muito, quando a informação já está toda ali e falta um ou dois parágrafos para preencher a página. Não vou mais me desesperar às 18h porque ainda não sei o que escrever. Acontece tanto.

Faltam alguns dias. Sei que toda a transformação digital que já vivemos na última década, especialmente, ganhará muito mais peso a partir de agora. Tempo e espaço mudam. O deadline é a urgência, (quase) nada pode esperar. O espaço é do tamanho da relevância, nem mais nem menos.

Embora possa matar as saudades da lógica tempo-espaço uma vez por semana nas novas revistas que substituem os jornais, precisarei descobrir os equivalentes digitais ao desespero da página em branco e do prazo a estourar. É meu desafio. Um desafio de forma, já que o jeito de fazer jornalismo que aprendi desde a primeira redação, quase 14 anos atrás - posso resumir em respeito aos leitores e à informação -, este não muda. Eu não mudo, levo comigo tudo que fiz e aprendi nos jornais.

Agora, sem limite e sem medida.

Um comentário:

  1. Mesmo você colocando dessa forma ortodoxa, vou sentir falta de ler a coluna na forma impressa - ainda que na edição digital. Leio jornal desde os oito anos de idade - ou seja, há 55 anos - e vou me sentir órfão mais uma vez com o fim do DC!

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