quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Carona

Ele não dava caronas.

Se lhe perguntassem o motivo, malcriadamente, responderia que não dava porque não pedia. E riria sozinho. Na verdade, nunca pensara muito a respeito. Talvez fosse por medo (“como vou enfiar um desconhecido dentro do meu carro assim, sem mais nem menos?”) ou até mesmo um certo escárnio debochado para com aqueles caroneiros vagabundos segurando plaquinhas com nomes de praias. Provavelmente eram esses os motivos.

E eles vieram à sua cabeça no momento em que viu o polegar estendido da moça na beira da estrada.

Estendido como vira em tantas outras vezes e não dera bola. A diferença é que ao mesmo tempo lembrou o quanto se sentira sozinho nos últimos dias e de como quisera uma conversa à toa e não conseguira. Talvez fosse interessante dar a carona para aquela mulher bonita que não carregava uma mochila nas costas e nem usava uma bata indiana.

Sim, todos esses prós, contras e ponderações passaram pela cabeça dele nos poucos segundos que decorreram do instante em que viu o polegar erguido até o ato de fazer o carro parar. Se lhe perguntarem mais tarde porque decidiu parar, vai dizer que foi impulso, instinto, ou qualquer outra desculpa que se dê para essas decisões tomadas de uma vez só, em pouquíssimo tempo. E que, na verdade, são as mais racionais de todas.

- Pra onde você vai?

- Ah, eu vou pra universidade... mas se você me tirar daqui já tá valendo.

- Entra aí – disse, fingindo certo desdém, como se desse caronas o tempo todo, como se não tivesse achado graça no que ela disse.

- E pra onde você vai?

- Eu? Ia pro centro... agora vou pra universidade.

- Não precisa mudar seu caminho, me deixa na...

- Não, não... sem problemas. Tô adiantado demais, não quero chegar cedo no trabalho.

- Ah... se você não se importa... depender de ônibus aqui é o inferno.

- Eu lembro... ô se lembro...

- O que você faz?

- Sou jornalista... e você?

- Estudo design e faço estágio numa agência bem legal lá no centro, não sei se você conhece, a...

- Você vai ficar ofendida se eu disser que tinha certeza de que você estudava design?

- Como assim?

- Ah, você tem cara de designer...

- É? E você tem cara de jornalista também...

- Sério? Como é cara de jornalista?

- Cara cansada, olheiras e barba por fazer. Aposto que você tem cinco anos menos do que aparenta.

- Gostei de você – disse rindo – tenho 28.

- Como eu imaginava – riu também.

- Você sempre diz o que te passa na cabeça?

- Bom, você começou...

- É... talvez.

- Eu tenho 20.

- Como eu imaginava...

Sorriram um para o outro. Ela viu um porta-cd, pegou e começou a procurar algum.

- Se importa se eu trocar de cd?

- Claro que me importo... mas fique à vontade.

- Que ótimo... adoro esse aqui.

- Você não é nem um pouco tímida, né?

- Claro que sou... mas não tanto quanto você – riu mais uma vez.

- Dá pra perceber tanto assim?

- Arrã...

- Eu nunca tinha dado carona pra ninguém...

- Sério?! E porque resolveu parar o carro pra mim?

- Sei lá... impulso...

- Sei... e deu carona logo pra uma folgada que te tirou do caminho e fica mexendo nos teus cds.

- É, deve ser meu dia de sorte.

3 comentários:

  1. como vc não me conta desse blog, c*****??
    esse texto eu já conhecia, não?
    bjs

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  2. Gostei muito dos teus textos... muito mesmo...
    Cai meio sem querer no teu blog mas com certeza voltarei nele...
    Bjus

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  3. Depois ele diz que não acredita em destino... haha

    essas coisas sempre acontecem contigo?? vai ver é pra vc acreditar... hehehehe

    beijão, saudade do Upiara sempre online...

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