segunda-feira, 7 de abril de 2008

Até a hora em que o cão comeu

Ele nunca gostou de cães. Preferia caipirinha, festas com os amigos, essas coisas. Mas ele tinha mulher, uma filha pequena e um cachorro perdido na porta de casa. A insistência feminina prevaleceu: se o cachorro não tivesse dono, poderia ficar com elas.

Ele nunca gostou de cães. Não seria o olhar pidão, o pêlo macio e as brincadeiras pela casa que o fariam mudar de idéia. Ainda mais por causa de um animal cheio de manias como aquele. Torcia para que as mulheres da casa cansassem do cachorro com o tempo para que ele pudesse dar o fim que tanto esperava àquele bicho imprestável.

Ele nunca gostou de cães. Talvez por causa disso não tenha dado bola pro nome da marca de ração escrito na lista de compras. Não entendeu a letra da mulher, olhou pra prateleira e disse: "é essa!". Não era.

Ele nunca gostou de cães. Como já foi dito, preferia caipirinha. Inclusive, já tinha tomado três ou quatro quando a mulher lhe disse que o cachorro não queria comer aquela ração que ele tinha comprado. O homem não teve dúvidas. Foi até o prato do cão, ficou de quatro em frente ao bicho, pegou um punhado de ração, colocou na boca e comeu um dos biscotinhos. Repetiu algumas vezes o ritual: comia um e oferecia outro ao animal, que recusava. Ele já tinha comido metade da ração do prato quando o cachorro resolveu experimentar também. E depois de experimentar, o bicho não recusou mais.

Ele nunca gostou de cães. Preferia caipirinha, conversar os amigos em mesa de boteco, essas coisas. Pois é em mesas de boteco que essa história sempre aparece. Sempre contada às gargalhadas pela mulher do sujeito. E sempre, o cara ri sem graça e conclui:

- Depois da quarta caipirinha eu faço qualquer coisa. Até ensinar cachorro o comer ração.

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Esse texto foi publicado originalmente no Fanzine Cabron, lá por 2001, com o título "Certas coisas se aprende sozinho".

6 comentários:

  1. UPI: SÓ VC PRA ME FAZER RIR NA SEGUNDA FEIRA..QUE BOA LEMBRANÇA ME TRAZES..QUE ALEGRIA LER ESTE TEXTO ..QUE SAUDADE IMENSA DO MEU PAI..ELE ERA BRABO MAIS NO FUNDO GOSTAVA DO CACHORRO..TANTO QUE LHE DEU DE COMER..
    OBRIGADA PELO TEXTO!
    BEIJOO DA FÊ!

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  2. Meu caro, passei por aqui e gostei do teu blog.

    Um grande abraço!

    Germano
    www.clubedecarteado.blogspot.com

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  3. Nossa, como vc escreve bem.
    vi indicação do seu blog no Caixinha de surpresas
    aí vim ver.
    gostei bastante.

    a linguagem direta, bem do cotidiano, bem legal (y)

    eu gosto de cães :D

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  4. Tem coisas que a gente faz sem pensar, tem coisas que a gente faz sem gostar... mas tem coisas que só a caipira é capaz de fazer pela gente... hehehhe

    beijo grande!!

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  5. cadaum com sua loucura...hahahha
    a dele é mto boa por sinal...

    =D

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  6. Muito bom o conto. Bom eu sempre gostei de cães mas acho um absurdo criá-los em apartemento e o mais foda é saber que tantas madames metidas a besta e cheia de não me toques e opiniões a respeito da falta de educação das pessoas deixam as fezes de seus cães pelas calçadas da cidade.

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