terça-feira, 22 de abril de 2008

Bandeira na cinza das horas

A vida não vale a dor de ser vivida. Estava sozinho no quarto quando lembrou do verso e imediatamente pensou que fosse de Manuel Bandeira, de um velho poema lido há muito tempo e esquecido na estante. Foi até lá procurar a confirmação de que não estava sendo traído pela memória. Estivesse funcionando a internet, teria recorrido ao google e tudo seria mais fácil. Fosse mesmo Bandeira, a resposta viria em segundos. Não fosse, seria preciso o mesmo tempo não só para saber se tratava de outro poeta modernista como para dar o nome ao boi.

Mas não teria sido tão recompensador. Nas páginas daquela antologia não folheada no último par de anos ele encontrou muito mais do que a resposta rápida para o auto-quiz da madrugada. Virando as páginas, lembrando de outros versos esquecidos, teve a idéia de abrir a garrafa de vinho que há meses esperava motivo, beber um pouco para ver se a madrugada passava melhor.

Entre um gole e outro, sem pressa, chegou ao que inicialmente queria – e que já nem era o mais importante. O verso procurado na verdade dizia “a vida não vale a pena e a dor de ser vivida”. Mas era mesmo Bandeira. Como eram os versos de Não Sei Dançar (Uns tomam éter, outros cocaína/Eu tomo alegria!/Eis aí por quem vim assistir a esse baile de terça-feira gorda) ou de Arte de Amar (Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo./ Porque os corpos se entendem, mas as almas não.).

Parou na Estrela da Manhã. Leu, releu, bebeu. Dormiu pensando nela. Aquela que Bandeira procurava tanto. Aquela. “Pecai por todos pecai com todos”.

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Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

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Acordou com dor de cabeça. Perto da cama, uma caneta destampada, um bilhete manuscrito.

“Meus amigos, meus inimigos. Eu quero a estrela da manhã. Não importa quem seja, quem não seja. Eu preciso da estrela da manhã. A tarde, a noite e a madrugada passada precisam ficar lá atrás. Eu preciso é da estrela da manhã. Quem beijei, quem me beijou, quem não beijou e não vai beijar mais - que fiquem guardadas em algum canto escuro, longe, que não vou visitar. Quero é a estrela da manhã, onde estiver. Digam que sou um homem sem orgulho, que aceita tudo. Eu quero...”

4 comentários:

  1. Onde estará a tua estrela da manhã?

    hihihi
    bjokas.

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  2. upiiii... mto bom..
    tb quero tudo isso

    =P

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  3. Foste um contista pra lá de promissor, na minha oficina... Deixa de ser preguiçoso, e continua, que tá bonito demax!
    beijão, guri!

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