sexta-feira, 12 de junho de 2009

Com aquela canção de Odair José na cabeça

Cansou da pista, cansou da noite. Desceu as escadas, foi ao caixa, pagou a conta e saiu. Não havia de quem se despedir. Já era dia, estava na rua Augusta e foi em direção à avenida Paulista. O mais sensato seria seguir em direção ao Centro e pegar o metrô, mas não tinha sido nada sensato naquela noite. Bêbado como estava, nem percebeu que caminho pegou. Andou um tanto mais e foi chamado por um homem que estava do outro lado da rua. Estranhou e parou para ouvir o que o homem de camisa branca, jeito de garçom e que atravessava a rua queria lhe falar.

- Você não quer conhecer a nossa casa? - pergunta e já ajuda o rapaz a atravessar a rua, antes mesmo da resposta.
- Quanto é?
- Dez reais, você ganha uma cerveja e uma caipirinha.
- Aceita cartão de débito?
- Sim, claro.
- São só dez mesmo?
- Sim. Se quiser mais, lá dentro acerta direto com as meninas...

Ele entrega o cartão ao sujeito, que passa à mulher do caixa (“tira dez reais aí”). Digita a senha, guarda o cartão e entra no bar – que não é muito grande, mas é mais arrumado do que ele esperava. Se é que esperava alguma coisa. As duas “meninas” do balcão nem esperam que ele pegue a cerveja.

- Taí o príncipe que eu disse que ia chegar - diz a que tem maior iniciativa, já chegando junto e marcando posição.

Uma risada, um sorriso. Abre a lata, bebe um gole. A segunda menina desiste e deixa o rapaz para a primeira, que já o faz abraçá-la por trás. Ele confere e percebe que a primeira é melhor mesmo, não se importa, bebe outro gole enquanto verifica a marca de biquíni na bunda da mulher.

- Você vai querer ir pro quarto, benzinho?
- Depende... quanto é?
- Cem e mais vinte do quarto.
- Ah, não tenho tanto...
Quanto você tem?
- Nem sei, pra dizer a verdade... uns noventa.
- Eu faço pra você.

Ela o acompanha até a porta, onde está a mulher do caixa. Ele entrega o cartão e a mulher diz:

- Tira noventa aí.
- Não deu - diz a caixa depois que ele digita a senha.
- Tenta oitenta - ela insiste.
- Não deu...
- Setenta!

Mais uma vez a mulher passa o cartão e o rapaz digita a senha. Ele gastou mais do que pensara, bebeu bem mais do que queria e estava a prestes a terminar a noite de um jeito que não imaginara. Se aquele cartão passasse, é claro.

- Passou – disse a mulher do caixa, para alívio de todos.

*****

(...)


*****

Enquanto desciam as escadas – ele vestido, ela nua e enrolada numa toalha branca – lembrou da cerveja e a caipirinha que lhe foram prometidas na entrada.

- Eu tenho direito a uma caipirinha ainda, né?
- Tem sim, eu pego pra você.

De toalha, ela atravessa o balcão e pede a caipirinha que parece ser feita com suco de limão em pó e vodka de garrafa plástica. Entrega pra ele e some de vez por uma porta ao lado da escada. O rapaz bebe um gole e confirma que a bebida é realmente péssima. Olha pro balcão e vê somente um garçom e a outra mulher, aquela que ele não quis. Para completar o cenário, tocam músicas do Reginaldo Rossi, na versão ao vivo de um sertanejo qualquer. Sorri, acha que é perfeito e senta na ponta de um dos sofás para beber a caipirinha e cantar baixinho:

- “Porque você é o meu pedaço de mau caminho, a medida certa para o meu carinho, a coisa mais linda que eu já conheci...”.

Sorri, bebe mais. Está contente. Gastou o que podia e duas vezes mais o que não podia. Mas se divertiu um bocado. O garçom vem perguntar se ele quer mais alguma coisa e a resposta enfática (“não! eu já fiz tudo que deveria fazer”) é acompanhada por uma gargalhada. O garçom se afasta e ele segue cantando baixinho.

- “Nesse corpo meigo e tão pequeno há uma espécie de veneno bem gostoso de provar. Como pode haver tanto desejo, nos seus olhos, nos seus beijos, no seu jeito de abraçar...”.

Percebe que a outra mulher está vindo até ele. É realmente bem pior, mais velha, com cara de nordestina sofrida de documentário. Bebe mais um gole, ela chega, pára em frente a ele e pergunta com o sotaque óbvio:

- Você tá apaixonado?
- Não – e ri – eu não me apaixono muito fácil, não...
- Ah, é que você tava cantando aí sozinho...
- Eu ia embora, mas tava tocando umas músicas que eu gosto...
- Ah, eu também adoro...
- E tenho que beber essa caipirinha horrível também.
- É horrível mesmo, não bebe esse troço, não.

Os dois riem. Ela é mais feia, mas é simpática. Devia ter certeza que dali não sairia outro programa. Continua de pé na frente do rapaz.

- Você me paga uma cerveja? É que eu to morrendo de sede...
- Beibe, eu até pagava. Juro. Mas eu só tenho o do metrô.
- Ah... não tem importância. Sabe, eu vim do nordeste faz um tempo...
- Peraí... senta aqui do meu lado para contar essa história – diz, indicando o enorme espaço vago no sofá. Ela senta e continua.- ... e lá tinha um cara que gostava muito de mim. Gostava mesmo. Mas eu fazia gato e sapato dele...
- Coitado...
- ... pois é... e quando eu fui embora, ele queria de todo jeito que eu ficasse... mas eu disse que vinha. Aí ele disse que um dia alguém ia fazer comigo o que eu tava fazendo com ele.
- Poxa, rogou uma praga!
- É... e eu acho que pegou, porque tá acontecendo igualzinho agora.
- Você está com um cara que faz gato e sapato de você?
- É... eu acho que tô pagando...
- Não, não... não pensa assim não. Toda hora tem alguém fazendo gato e sapato de alguém. Uma hora a gente faz, uma hora fazem com a gente. Mas não tem nada a ver com o outro cara, não. Olha eu... tenho certeza absoluta de que enterraram uma caveira de burro no meu jardim. Mas logo isso passa e não é culpa de ninguém.

Os dois gargalharam daquela filosofia eloqüente de bêbado. Ele bebeu mais um gole. Olhou pro lado e viu um homem chegar no balcão do bar. Ela disse:

- Olha... semana que vem vai ter um show de strip aqui. A mulher daquele cartaz ali. Vem, nem que seja só pra ver o show...
- Mas é claro que eu venho! – disse com certeza de que não viria.
- Agora eu preciso ir...
- Eu sei... vai lá!

Beijos estralados, sorrisos. Ela foi abordar o sujeito, ele largou o copo pela metade em cima da mesa. Era intragável. Levantou-se e saiu da boate. Na porta, o homem que o interceptou no início da história pergunta se ele ficara satisfeito com o serviço. Respondeu que sim de forma efusiva e foi embora. Estava de novo na rua Augusta e foi andando em direção à avenida Paulista. O mais sensato seria seguir em direção ao centro e pegar o metrô, mas ele não tinha sido nada sensato naquela noite.

3 comentários:

  1. "Mas é claro que eu venho! – disse com certeza de que não viria". Adorei, um otimo post pra publicar nos dias dos namorados :P

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  2. em quase todas as noites não existe nada de sensato
    kkkkkkkkkkkk
    grande abraço e adorei
    =D

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