terça-feira, 26 de outubro de 2010

Lembrança de Romeu Tuma

Em 2004, o senador Romeu Tuma deu uma entrevista coletiva para a turma de focas do Estadão e eu era um deles. Era algo que Tuma fazia todos os anos: ir até lá e passar duas horas conversando com os alunos do curso. Quando saía, a gente tinha duas horas pra escrever um perfil com base na conversa. Na época, achei que meus colegas estavam muito preocupados em fazer o julgamento retroativo do ex-chefe do DOPS. Lembro de ter feito uma pergunta apenas: "Como o senhor vê hoje, historicamente, o período do regime militar". Era a pergunta que me interessava e que me interessaria hoje também.

Abaixo, o texto que eu escrevi quando o senador, que morreu na tarde de hoje, deixou a sala.

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"Apertem os cintos e se segurem que estamos sem freios", disse o piloto do avião que trazia do Acre para São Paulo o então diretor da Policia Federal, Romeu Tuma, e o lider do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda em Rio Branco, depois do julgamento dos assassinos do sindicalista Chico Mendes, o futuro presidente da República pedira a Tuma uma carona para São Paulo no avião oficial. A perícia do piloto - que deu um cavalo-de-pau com o avião na pista de Congonhas - impediu a manchete que o próprio petista previra para os jornais dia seguinte: Lula e Romeu Tuma morrem em desastre aereo.

Depois de 14 anos, o senador Romeu Tuma (PFL-SP), 73 anos, conta essa história e dá uma risada discreta. É apenas uma das muitas que ele conta em sequência, emendando desde casos sobre sua atuação durante o regime militar - no temido Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) - e na Polícia federal, até preocupações mais recentes, como a presença americana na fronteira norte do Brasil. Amostra da experiência adquirida em seus 50 anos de carreira, incluindo a atuação como senador da República nos últimos dez anos.

No meio de tantas histórias, deixa explícita a relação de simpatia mútua que tem com o presidente Lula. Sentimento que o afastou da campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo, em que seu partido apoia José Serra (PSDB) contra a petista Marta Suplicy. Tuma se justifica lembrando a época em que chefiava o DOPS e manteve Lula preso. "Hoje o Lula poderia me destruir, dizer que foi torturado... e sempre manteve o respeito, a simpatia". Mas não se nega a cutucar o governo petista, citando o sucateamento das forças armadas e a opção do governo de gastar quase todo o orçamento da Aeronáutica na compra do avião presidencial.

O senador não se esquiva de perguntas sobre sua atuação no DOPS, durante o regime militar. "Fiz concurso público e carreira na polícia, não era um estranho dentro do sistema". Diz que o órgão adotou uma postura diferente sob o seu comando. Um exemplo foi a diferença no tratamento aos estudantes presos. Não mantinham os estudantes em cárcere, chamavam os pais para buscá-los na delegacia. E lembra do episódio da invasão da PUC-SP pela tropa de choque da Polícia Militar. Chamado ao local, Tuma começou a liberar os estudantes, com exceção do que já tinham passagem pelo DOPS. Mais tarde, foi repreendido pelo secretário de Segurança, Erasmo Dias, que o acusou de ser "muito cortês". Romeu Tuma respondeu de pronto: "então põe outro aqui". Não colocaram outro e sua atuação no caso seria porteriormente elogiada até pela reitora da universidade, Nadir Kfouri.

Analisando historicamente, ele vê "coisas boas e ruins" no periodo dos governo militares. Reconhece alguns excessos e acredita que o processo de abertura foi muito lento. "Por causa de generais que queriam ser presidentes", avalia. Revela o plano escrever um livro de memórias em que traria à tona muitos segredos da época da ditadura militar. Os outros projetos são mais tranquilos: terminar o mandato de senador (acaba em 2010) e "ficar em paz com Deus".

Nas horas vagas, o senador utiliza sua experiência em investigação para tentar desvendar crimes em livros policiais e telenovelas da Rede Globo. Evita as badalações de Brasília, para não dar margens a comentários. Diz que não tem nada na vida para se arrepender, para logo depois recordar que não viu os filhos crescerem enquanto trabalhava para manter a ordem política e social do país. Se lhe perguntarem qual a principal qualidade que vê em si mesmo, responde logo: "Nunca desrespeitar a lei vigente". Seja a Constituição de 1988 ou o AI-5.

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