sexta-feira, 1 de março de 2019

Encontro fortuito

Andava pela Tiradentes para matar tempo entre uma sessão e uma reunião na Assembleia Legislativa. Tinha uma hora, mas não queria outro café. Tive vontade de ir a um sebo, não os de sempre, um que nunca vou porque acho feio e desorganizado. Queria que um livro me escolhesse em vez de escolher um livro.

Seguindo a pé pela Tiradentes, ultrapassava os carros semiparados. Ao passar por um deles, que ouvia música tão alto que era possível entendê-la apesar dos vidros fechados, reconheci o Blues da Piedade, de Cazuza. Segui adiante cantando mentalmente aqueles versos enquanto dobrava a Nunes Machado, depois a Victor Meirelles. Dois deles me chamaram mais atenção do que de costume: “pra quem vê a luz, mas não ilumina suas mini-certezas” e “pra quem não sabe amar, fica esperando alguém que caiba no seu sonho”.

No sebo, mais desorganizado que de costume, um livro logo me escolheu. Estava virado na estante, chamando atenção, Encontro Marcado, de Fernando Sabino. Li pelos 18 anos, foi cativante - sempre pensei em ter, reler. Sempre posterguei. Agora estava ali. E pior: com dedicatória, meu fraco. Trouxe o livro, saí para a rua.


E te vi.


Você subia a Saldanha Marinho com muita pressa. Só te vi de costas, mas tive certeza de que era você. Apertei o passo e segui atrás. Tentava me aproximar acelerando a caminhada, mas você seguia muito rápido. Eu podia correr, podia chamar teu nome. Mas e se não fosse você? Pensei na cena do engano, tive vergonha e continuei te seguindo. Achei divertido aquele jogo. E a cada passo olhava para você, com cada vez mais certeza de que realmente era. Reconheci cada detalhe do corpo, dos cabelos, do vestir, do andar. E tive orgulho de reconhecer teus detalhes depois de tanto tempo. Amei você novamente naqueles passos. Entramos a Hercílio Luz, você não reduziu a velocidade. Pensei em acelerar, correr, falar. Mas você entrou voando em um dos prédios da rua. Te perdi de novo.


Sempre te perco.  


Voltei para a Assembleia Legislativa. Bloco, caneta e Encontro Marcado nas mãos. A hora passou, a reunião aguardava. Atravessei a Praça Tancredo Neves pensando que talvez eu continue esperando alguém que caiba no meu sonho.

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