quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Velha janela, nova janela

Fui uma última vez até a janela, a mesma em que escrevi dias atrás que sentiria falta, para um último olhar noturno para aquela paisagem possível: um prédio suficientemente distante, a biblioteca pública, um cantinho das pontes que nos levam e nos trazem para a ilha que escolhi como casa. Olhei e disse, marcando o momento.

- Eu fui feliz aqui.

Fui mesmo. Foram oito anos, quase exatos, no mesmo endereço. Os mesmos cantos, os mesmos limites, os mesmos espaços. Muitas configurações. Mudar a disposição das coisas era uma forma de mudar sem mudar. Eu que nunca tinha passado tanto tempo no mesmo lugar, acho que virei taurino depois de velho - foi difícil sair.

Não morei em poucos lugares, não mesmo. Só nesta ilha, umas dez casas/apartamentos. Nas minhas fugas para outras cidades, outras tantas. Faz tempo que não fujo - este ano são dez sem deixar a cidade que escolhi para ser minha. Estou na janela do novo lar, olhando os gatos e pensando se deveria pensar na janela que se foi neste momento. Deveria. Sabe por quê? Porque fui feliz lá.

É gostoso olhar o lugar que vivi por tanto tempo e dizer: "eu fui feliz aqui". Fui mesmo. Eu amei e fui amado naquele apartamento. Vivemos juntos a rotina desse amor naquela esquina. Até o fim, até a fuga - dela, incentivada por mim. 

Depois disso, fui feliz naquele endereço de mil outras formas. Consumei tantas paixões por lá. Lamentei outras tantas. Vivi uma vida de inconsequências, de ter e abrir mão, de querer e não ter, de achar que tudo sempre era pouco - por imenso que fosse. Amei muitas, cada uma à sua maneira.

Vivi transformações pessoais de frente para aquela janela. Cheguei em busca de um lar de adulto, pronto para deixar de ser o eterno iniciante, a sempre promessa da profissão. Saio mais pronto, mais completo, mais relevante - embora ainda espere por aquele salto que sabe-se lá para onde há de me levar. O jovem repórter virou o colunista iniciante entre aquelas paredes e de olho naquela paisagem possível.

A nova paisagem é mais ampla, embora o espaço seja menor. Readequo-me à espera de novas transformações, novos saltos, novas paixões, novos amores - possíveis, impossíveis, o que for. A nova janela me mostra o Centro de Florianópolis, uma paixão antiga, o mar da baía sul e luzes que quero para mim. 

Bem-vindo, novo capítulo da vida.


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