sábado, 28 de março de 2020

Quarentenares #07

Estou de volta depois de falhar por duas madrugadas. Sou desses que falham - e que admitem que falham. Estou esta noite matando uma saudade. Depois de gin, vinho e chá, esta é uma noite de chope - trazido em duas garrafas diretamente de um dos meus bares. Se ainda não posso matar a saudade dos meus bares, o gosto veio à porta de casa. Faltaram as mesas e as pessoas na mesa. Virão, sei que virão.
É curioso como o gosto da cerveja na boca remete a pessoas ao redor, barulhos de convivência, risadas, flertes. A cerveja é uma bebida extrovertida. O vinho é uma bebida sedutora - por isso cai tão bem a dois. O gin eu não sei, ainda estamos nos conhecendo. Até a quarentena sempre me remeteu à pista de dança, ao bar que é mais do que bar. Agora vejo como a base para brincar com ingredientes e sabores - interessante sozinho, provavelmente muito instigante a dois e potencialmente divertido em bando. Ninguém sairá igual do confinamento, não é?
Entrei nessa via marginal falando de bebidas, mas o que eu queria mesmo em mais este texto da série quarentenares era falar das madrugadas. Do meu amor pelas madrugadas. Falarei disso agora em diante, desculpe a transição abrupta. Não é exagero dizer que sempre gostei das madrugadas. Eu nasci às 22h25 e é como se renascesse sempre nesse horário, fim da noite, começo da vida noturna. Ela sabe ser tão sedutora quanto o vinho e logo cedo percebi isso - e me deixei seduzir, sou desses que se deixam seduzir e admitem. 
Eu tinha uns 12 anos a primeira vez que virei a noite e vi o dia nascer. Lembro que minha mãe saiu - acho que era um show do Blues Etílicos - e eu fiquei sozinho em casa. Eu e a televisão. E decidi que iria assistir tudo que aparecesse naquela noite de sábado, sem me deixar derrotar pelo sono. Novela das nove - Fera Ferida ou Pátria Minha -, Supercine, Sessão de Gala, Corujão, Telecurso Segundo Grau. Eu consegui vencer o sono e adorei aquela vitória. Estava acordado, orgulhoso, quando a mãe chegou. Queria que ela testemunhasse.
Antes mesmo daquela virada, eu já me sentia confortável à noite. Na infância em Vacaria, era comum que fosse o último a ir para a cama - depois do Jô. Mas foi só após entrar na universidade que minhas madrugadas acordado e a boemia se somaram, criaram laços, encantaram-se. Formado, minha passagem por São Paulo transformou esse encontro em um estilo de vida. E aqui estamos - eu, minha circunstância e essa reclusão suave forçada pelo vírus que infesta o ar. Uma Ipa da Vodu no copo, os olhos na tela e mil desejos por realizar. O fim da quarentena será o momento de escolher os desejos que vão me guiar pelas próximas madrugadas. Prometo a mim mesmo que serei criterioso na escolha - tentarei não falhar desta vez. 

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