terça-feira, 5 de maio de 2020

Quarentenares - especial três de maio

Eu juro que vou colher cada um desses abraços adiados. A quarentena ensina como doem os abraços adiados e o dia do aniversário se converte em uma overdose deles. Quando foi ficando claro que o isolamento é uma corrida sem destino, sem meio e sem fim perceptível - como uma esteira de academia - uma das primeiras coisas que pensei foi que teria que chegar ao 38 anos sozinho. Adiando beijos e abraços.
Tenho meus rituais. Todo ano escolho um bar, provavelmente o que mais frequentei no período, e crio um evento chamando centenas de pessoas. Muitas delas aparecem e fazem minha noite ser especial, eu me sentir querido. E o ano pessoal pode, enfim, começar. A pandemia me roubou o ritual - o que é pouco, muito pouco, considerando tudo que a pandemia anda roubando às pessoas. 
Rejeitei todas as soluções propostas para uma festa solitária. Lives, videochamadas, etc. Já estou vivendo demais diante da tela para comemorar os 38 mediado, mais uma vez, por ela. Quis levar meu estar só para longe de casa. Aluguei um carro. Nele, deixei-me conduzir por sensações. Quando não se sabe para onde vai, erra-se muito o caminho. Errei o caminho algumas vezes, sem pressão. 
Fui percebendo que o caminho - certo ou errado - me levava a lugares que vivi nesta anos todos de Florianópolis e que há muito tempo não via de perto. Assim, revi antigas casas e lugares de referência. 
Quando peguei o caminho rumo ao Sul da Ilha, eu pensava que estava só querendo dirigir pela estrada nova do novo aeroporto. Depois, achei que poderia entrar no Campeche e ver o que ele me trazia de lembrança ou projeção. Mas, não, bom mesmo seria ir ao Morro das Pedras e parar o carro no mirante. Se bem que poderia seguir até a igreja da Armação -  Armação que acolheu tão bem aquele menino de 12 anos que chegou em julho de 1994, talvez agosto.
Mas eu dobrei a rua da igreja e segui reto. Eu conheço o caminho, fiz muitas vezes, em 1995, voltando do colégio no Centro. O ônibus parava na igreja, eu ia a pé até o fim da rua. Nela, uma ponte de concreto atravessava o Sangradouro - aquele rio maltratado que se atravessa para ir da Armação ao Matadeiro, um fiozinho de água lá onde as pessoas costumam cruzá-lo, mas muito mais cheio naquele ponto, naquela ponte.
Eu e a mãe moramos por pouco tempo naquela casa de madeira de dois andares escondida pela vegetação. Pelo que lembro, a minha janela dava para a praia da Armação, a dela para a praia do Matadeiro. Levamos dois gatos - um logo fugiu na mata, o outro nunca nos deixou. Lembro da cobra na escadaria de pedra que levava à casa, lembro do beija-flor que entrou e ficou batendo contra a janela tentando sair - acho que a mãe conseguiu salvá-lo. Lembro do frio de inverno nas manhãs quando precisava atravessar a ponte para estudar. Lembro que amei aquela casa e que nunca a esqueci. 
Essas lembranças me conduziram até o fim da rua, onde estacionei o carro e segui a pé. Olhei de longe para ver se reconhecia a casa, mas não me atrevi a tanto. Fui até a metade da ponte, exatamente como lembrava dela. Foi no meio dessa ponte com o passado que encontrei, disfarçado de luz e paisagem, o meu presente. Um presente que compartilho agora com vocês como se fosse um abraço - adiado, por enquanto, mas que um dia será colhido:


  

4 comentários:

  1. Querido Upiara, receba meu abraço carinhoso pelo seu aniversário. Te acho um cara com uma aguçada sensibilidade e inteligência. agora descobri que tb tem a capacidade de captar a força da beleza da natureza. A imagem do rio me abraçou com suas cores e nuances.

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  2. que lindo texto, parabéns mesmo atrasado, e deixo o abraço adiado para o colega de curso de escrita. vou te acompanhar por aqui.

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    1. acho que não apareceu meu nome, aqui é a Simone B.

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