Quase nus, somos levados por um corredor estranho. O clima é
de total constrangimento enquanto somos encaminhados por aquele casal fardado.
Eu e ela ao centro, lado a lado. O homem fardado ao meu lado, a mulher fardada
ao lado dela. No ombro de ambos, a sem sentido sigla PP. Calados, não respondem
perguntas, mantendo intactas as caras de insatisfação diante da nossa
incompreensão.
Ao final do corredor, uma bifurcação. Sou levado para a
direita, ela para a esquerda. Estamos tão atônitos com a situação que a
despedida é tímida, incrédula. O corredor segue até uma sala ampla, onde outros
homens seminus aguardam diante de um balcão onde um atendente com cara de mal
humorado faz anotações e chama números. Atrás dele, é visível uma sala
envidraçada onde outros homens fardados olham atentamente um painel de monitores.
Sou deixado ali, com um papel de número dezessete na mão.
Sem maiores considerações. Sozinho, de cuecas. Olho em volta e diante da
similaridade da situação dos demais que esperam, junto força para finalmente
perguntar:
- Alguém pode me dizer que porra é essa?
Todos me olham, exceção feita ao atendente mal humorado,
ainda atento a suas anotações. Medo de se perder na chamada dos números,
decerto. Começo a achar que vou receber de volta o mesmo silêncio dado pelos
tais PP, até que um deles, timidamente, fala.
- É a primeira vez que eles te pegam?
- Quem são eles?
- Esse não fez nada nos últimos anos ou fez bem demais –
falou, rindo no final da frase, um terceiro, gordo com roupão, calmamente
sentado no fim da sala.
- É a Polícia do Prazer, meu filho. De onde você vem que
nunca ouviu falar?
- Como é que é?
- Eles controlam tudo naqueles monitores ali. Ao menor
indício de insatisfação sexual, aparecem e trazem o casal para cá. Ou casais,
trio, o que for. Já vi de tudo por aqui...
- Eu só não sei como eles avaliam insatisfação sexual com
aquele jeito de insatisfeitos que têm – falou rindo, de novo, o gordo do
roupão.
Acabo rindo também, mas não da constatação, até óbvia, do
gordo. A história era absurda demais para que se acreditasse nela. Não é
possível que exista uma polícia secreta que monitore a intimidade sexual de
casais em busca de sabe-se lá o quê e que prenda pessoas no meio da noite por
causa de um orgasmo simulado. Quero explicações para essa brincadeira e quero
já. É o que digo, aos berros. Alto o suficiente para que o atendente olhe para
mim, por um instante, enquanto diz treze.
- Eu já disse exatamente isso, inclusive na Justiça, mas não
adiantou de nada _ afirmou um quarto sujeito, que conseguia parecer formal até
com aquela cueca samba-canção de bolinhas vermelhas. Talvez fossem as meias.
- Na Justiça?
- Eu sou um dos advogados que pediu a inconstitucionalidade
dessa lei de crimes sexuais. Perdemos no Supremo Tribunal Federal por 7 votos a
3. Que tempos...
- Quando foi isso?
- Isso tem uns cinco anos, já. Mas a história começou uns 15
anos antes, quando o senador Jean Willys apresentou a emenda constitucional que
incluía a insatisfação dos parceiros no rol de crimes de natureza sexual.
Inicialmente, as acusações eram baseadas nos depoimentos das, vamos dizer,
vítimas, e incluída em processos de separação ou violência doméstica. Acabou
virando esse monstro quando o Ministério da Sexualidade, em parceria com o da
Segurança, lançou o programa Insatisfação Zero. Foi aí que veio essa Polícia do
Prazer. Foi isso que questionamos no STF e perdemos. Mas por onde você andou
esse tempo todo que não sabe disso? Na Itália?
- Vocês vão me deixar louco que essa história sem sentido.
Uma hora dessas, onde está minha namorada?
- Devem estar checando a satisfação sexual dela lá no outro
lado. Quanto a isso, não se preocupe. Você também vai poder falar que não tava
se satisfazendo. Se concluírem que ninguém tava feliz, as multas são anuladas –
disse o que respondeu a primeira vez.
- Eu só sei que se soubesse que ia acabar aqui, teria ficado
no papai-mamãe – disse um senhor mais velho, entrando na conversa.
- Ah, se eu soubesse que vinha parar nessa merda, tinha
convencido a mulher a fazer swing – falou, gargalhando ao final, o gordo de
roupão.
A conversa é interrompida quando a sala envidraçada se abre
e um dos homens fardados sai até a porta e diz ao atendente:
- Dá uma chegadinha aqui. Estamos em dúvida quanto ao
entrosamento desses três...
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Acordo assustado. Nu. Ao meu lado, ela dorme. Nua também.
- Linda, você gozou?
Parece O Processo, do Kafka... rsrs
ResponderExcluirBeijos