terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Polícia do Prazer


Quase nus, somos levados por um corredor estranho. O clima é de total constrangimento enquanto somos encaminhados por aquele casal fardado. Eu e ela ao centro, lado a lado. O homem fardado ao meu lado, a mulher fardada ao lado dela. No ombro de ambos, a sem sentido sigla PP. Calados, não respondem perguntas, mantendo intactas as caras de insatisfação diante da nossa incompreensão.

Ao final do corredor, uma bifurcação. Sou levado para a direita, ela para a esquerda. Estamos tão atônitos com a situação que a despedida é tímida, incrédula. O corredor segue até uma sala ampla, onde outros homens seminus aguardam diante de um balcão onde um atendente com cara de mal humorado faz anotações e chama números. Atrás dele, é visível uma sala envidraçada onde outros homens fardados olham atentamente um painel de monitores.

Sou deixado ali, com um papel de número dezessete na mão. Sem maiores considerações. Sozinho, de cuecas. Olho em volta e diante da similaridade da situação dos demais que esperam, junto força para finalmente perguntar:

- Alguém pode me dizer que porra é essa?

Todos me olham, exceção feita ao atendente mal humorado, ainda atento a suas anotações. Medo de se perder na chamada dos números, decerto. Começo a achar que vou receber de volta o mesmo silêncio dado pelos tais PP, até que um deles, timidamente, fala.

- É a primeira vez que eles te pegam?
- Quem são eles?
- Esse não fez nada nos últimos anos ou fez bem demais – falou, rindo no final da frase, um terceiro, gordo com roupão, calmamente sentado no fim da sala.
- É a Polícia do Prazer, meu filho. De onde você vem que nunca ouviu falar?
- Como é que é?
- Eles controlam tudo naqueles monitores ali. Ao menor indício de insatisfação sexual, aparecem e trazem o casal para cá. Ou casais, trio, o que for. Já vi de tudo por aqui...
- Eu só não sei como eles avaliam insatisfação sexual com aquele jeito de insatisfeitos que têm – falou rindo, de novo, o gordo do roupão.

Acabo rindo também, mas não da constatação, até óbvia, do gordo. A história era absurda demais para que se acreditasse nela. Não é possível que exista uma polícia secreta que monitore a intimidade sexual de casais em busca de sabe-se lá o quê e que prenda pessoas no meio da noite por causa de um orgasmo simulado. Quero explicações para essa brincadeira e quero já. É o que digo, aos berros. Alto o suficiente para que o atendente olhe para mim, por um instante, enquanto diz treze.

- Eu já disse exatamente isso, inclusive na Justiça, mas não adiantou de nada _ afirmou um quarto sujeito, que conseguia parecer formal até com aquela cueca samba-canção de bolinhas vermelhas. Talvez fossem as meias.
- Na Justiça?
- Eu sou um dos advogados que pediu a inconstitucionalidade dessa lei de crimes sexuais. Perdemos no Supremo Tribunal Federal por 7 votos a 3. Que tempos...
- Quando foi isso?
- Isso tem uns cinco anos, já. Mas a história começou uns 15 anos antes, quando o senador Jean Willys apresentou a emenda constitucional que incluía a insatisfação dos parceiros no rol de crimes de natureza sexual. Inicialmente, as acusações eram baseadas nos depoimentos das, vamos dizer, vítimas, e incluída em processos de separação ou violência doméstica. Acabou virando esse monstro quando o Ministério da Sexualidade, em parceria com o da Segurança, lançou o programa Insatisfação Zero. Foi aí que veio essa Polícia do Prazer. Foi isso que questionamos no STF e perdemos. Mas por onde você andou esse tempo todo que não sabe disso? Na Itália?
- Vocês vão me deixar louco que essa história sem sentido. Uma hora dessas, onde está minha namorada?
- Devem estar checando a satisfação sexual dela lá no outro lado. Quanto a isso, não se preocupe. Você também vai poder falar que não tava se satisfazendo. Se concluírem que ninguém tava feliz, as multas são anuladas – disse o que respondeu a primeira vez.
- Eu só sei que se soubesse que ia acabar aqui, teria ficado no papai-mamãe – disse um senhor mais velho, entrando na conversa.
- Ah, se eu soubesse que vinha parar nessa merda, tinha convencido a mulher a fazer swing – falou, gargalhando ao final, o gordo de roupão.
A conversa é interrompida quando a sala envidraçada se abre e um dos homens fardados sai até a porta e diz ao atendente:
- Dá uma chegadinha aqui. Estamos em dúvida quanto ao entrosamento desses três...

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Acordo assustado. Nu. Ao meu lado, ela dorme. Nua também.

- Linda, você gozou?

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