sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A glória e seu cortejo de horrores (Fernanda Torres)

A decadência é um passo curto de uma dança longa. Essa frase, ou verso, me veio quase aleatoriamente à cabeça em meio à pista de dança do Blues Velvet. Era uma daquelas noites de música brasileira tropicalista que incendiavam o inferninho da rua Pedro Ivo naquele verão de alguns anos atrás. Olhei pra uma velha amiga e a frase surgiu: é um poema, pensei. Anotei o verso no celular e completei um poema em casa dias depois - sem ficar satisfeito com o resultado.

A frase/verso me voltou à cabeça quando terminava de ler "A glória e seu cortejo de horrores", da Fernanda Torres. Foi o livro que escolhi como primeira leitura de 2018, influenciado pela boa lembrança de "Fim", o livro anterior da atriz/escritora. Ela intercala o apogeu e o ocaso do ator Mario Cardoso - dividido entre o sucesso como galã de novelas e a vaidade de ver-se como interprete teatral. O pano de fundo é a transformação da indústria de cultura e entretenimento dos anos 1960 até hoje. A glória e o cortejo de horrores podem ser do personagem ou do mundo que vive, no fim das contas.

De volta à pista do Blues, ao verso solto e mal-aproveitado, à sensação que o livro me passou de que a decadência está desenhada e projetada nos momentos de apogeu. A lembrança do auge realça o sabor do fracasso. A decadência total é um pequeno passo, uma queda inesperada, em um longo e contínuo processo de derrocada iniciado lá em cima. 

Não há mais festas tropicalistas no Blues. As últimas serviram apenas para lembrar as antigas, o auge. Ainda esperamos e torcemos pela reabertura do nosso canto mais querido do centro da cidade, com uma leve sensação de que algo se perdeu. Divago? Jivago? A decadência é um passo curto de uma dança longa. Danço com a estranha sensação de que algo morre aqui em mim, de que o centro da cidade se apaga, de que algo morre nos lugares em que passei as noites da última década - algo, não os lugares.

Continuo dançando, como Mario Cardoso a atuar no palco improvisado de seu ocaso. Em busca da redenção inesperada. Cheia de som e fúria, sem sentido algum - mas que vale cada centavo do ingresso que cobra.

Nota no Skoob: quatro

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