sábado, 21 de março de 2020

Quarentenares #02

Beber vinho me dá uma puta vontade de cantar. E quem canta não consegue ficar triste, chato ou taciturno. E cantei pra você, cantar pra você me deixa feliz de forma instantânea. Eu me achei triste nas coisas que disse ontem. Acordei pensando que queria um dia mais leve e a primeira coisa que decidi foi deixar a televisão desligada, estar menos informado. Ouvi música, deve ter sido isso que me deu vontade de cantar. E o vinho, claro.
Desligar a tevê nessa hora é uma contradição se levar em conta que sou um jornalista e que devo fazer parte dessa força-tarefa de informar as pessoas sobre a pandemia que chega e muda nossa vida, nossa rotina. Eu sou, eu faço. Mas ainda não me achei. Se algum chefe estiver lendo isso, peço desculpa. Estou tentando me achar ainda nessa loucura. Já acompanhei muitas loucuras. A Ilha às escuras por três dias, enchentes causadas por chuvas que pareciam eternas, caminhoneiros parando o país. 
Nada se compara a esta cidade vazia, ao medo de adoecer e de que percamos a civilização por medo da doença. Nada se compara à carência de estar sozinho permanentemente - falando com mil gentes, trocando imagens, situações, mas tudo tão distante. Nesse momento a pessoa sente, ao mesmo tempo, saudade daquela antiga paixão, do último caso, do flerte encaminhado, do encantamento recente que te fez escrever na janela e até mesmo da troca de sorrisos com aquela garota que trabalha no café - que certamente seria o amor da minha vida se a vida fosse uma comédia romântica, mas não é.
Da janela do meu apartamento eu vejo uma praça bonita, bem iluminada. Vazia, como sempre. Ela não tem glamour, nunca teve. Será que depois disso tudo vamos rever o que merecer ter ou não glamour? Se acontecer, vou votar para que olhemos com carinho para essa praça ao lado das lojas americanas. Nem que seja para ver de casa as pessoas sendo felizes ali. Divago. Divagarei muito nesses dias, me perdoa. Falei que com vinho o texto seria bem diferente do que com gin. Pelo menos cantei, sem vergonha de cantar. Como será o amanhã? Mais um dia sem tomar café na rua e sem sorrir com carinho para estranhos, isso eu já sei.

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